Um assinante do Consultor Municipal enviou a seguinte consulta:
“Gostaríamos de saber como vincular a liberação da licença de Habite-se com o pagamento do ISSQN referente à construção da obra. Torna-se necessário legislar a respeito?”
Minha resposta:
Como se sabe, o ISS incide sobre serviços de administração, empreitada e subempreitada de obras de construção civil. Assim, o contribuinte é o prestador do serviço e não o proprietário do imóvel. Em obras públicas e obras particulares de grande vulto, é comum a presença de empresas de empreitada, o que facilita o trabalho do Fisco, pois existem contratos formais entre o tomador e o prestador do serviço. Todavia, em obras particulares menores o mais comum é a inexistência de uma empresa empreiteira, com o proprietário contratando a mão de obra diretamente. Em tais casos, a atuação do Fisco é mais complicada, pois geralmente não há um contrato formal entre as partes.
Por isso, as leis municipais costumam considerar o proprietário ou titular da obra como “solidário” na obrigação tributária, ou responsável pela retenção do ISS, ao efetuar o pagamento dos prestadores de serviços.
Em minha opinião, considero totalmente irregular a instituição da obrigação solidária do titular da obra, porque este se encontra em polo exatamente oposto ao do prestador, e não poderia, assim, ser solidário à obrigação do outro. O art. 124 do CTN é claro ao dispor que a solidariedade somente alcança as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. E o tomador do serviço não tem o mesmo interesse do prestador na situação.
Contudo, perfeitamente correto o dispositivo legal da responsabilidade pela retenção do ISS na fonte pagadora, conforme previsto no art. 6º da Lei Complementar nº 116/03. Esta, sim, deveria constar da lei municipal nos casos de obras de construção civil. Mas, a retenção somente seria cabível se os profissionais autônomos (Mestre, Pedreiro, Ladrilheiro, Eletricista etc.) não fossem inscritos na Prefeitura como Profissionais Autônomos, porque, sendo inscritos, é evidente que já pagam o imposto na forma estimada em valores fixos. Essa exceção deve constar na lei municipal.
Todos sabem que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, exceto nos casos de profissionais autônomos e sociedades profissionais. Mas, como saber o preço do serviço nos serviços de construção? Existindo contrato, é fácil, porém, quando não há contrato o Fisco se obriga a arbitrar o valor. E qual seria o parâmetro desse cálculo? Para resolver este problema, as leis de alguns Municípios estabelecem regras, como é o caso do Município de São Paulo. Este Município criou a chamada “Pauta Fiscal” que atribui um valor mínimo de mão de obra aplicada por metro quadrado de área construída, contendo tabelas por tipo de construção, uso e destinação. A meu ver, o Município de São Paulo cometeu uma inconstitucionalidade ao criar a Pauta Fiscal por meio de decreto. Deveria ser através de lei, pois está definindo base de cálculo do imposto, o que só pode ser feito mediante lei, e nunca por decreto. Mas, como ideia, a Pauta Fiscal está perfeita.
Outros Municípios adotam a Tabela do Sinduscon – Sindicato da Indústria da Construção Civil. Cada Estado tem o seu Sinduscon e cada um atualiza mensalmente o Custo Unitário Básico – CUB – por tipo de construção, tais como, “Residência Unifamiliar”, Multifamiliar, Comercial, Galpão etc., e ainda define o custo de materiais e de mão de obra em separado. Ao adotar o Sinduscon, ninguém pode acusar o Fisco de estar “inventando” custos, e, sim, aplicando o que o próprio mercado de construção estima. Deste modo, um bom caminho seria a lei municipal já estabelecer como base de cálculo estimado o que estiver definido pelo Sinduscon do seu Estado.
Resolvida essa parte, permanece outro problema: Quando o ISS deve ser cobrado nessas situações? O primeiro passo da fiscalização seria quando o titular da obra comparecer na Prefeitura para requerer o “Alvará de Construção”, ou Licença de Construção. Este pedido é feito na Secretaria de Urbanismo ou denominação similar, dependendo da Prefeitura. Este é o momento oportuno para a Fiscalização entregar ao titular uma Notificação, pelo qual a pessoa toma ciência de suas responsabilidades fiscais municipais, informando-o, entre outras coisas, da obrigação de reter o ISS quando efetuar os pagamentos à empresa empreiteira ou aos profissionais que lá irão exercer suas atividades. Isso, se a lei municipal contiver regra sobre a responsabilidade da retenção, o que recomendo fazer.
A guisa de exemplo, abaixo um modelo da Notificação:
Notificação
Notificado: …
CPF/CNPJ
Endereço: …
Endereço da obra: …
Processo nº …
Fica V. Sª notificada que os serviços que lhe forem prestados por empresas ou profissionais autônomos são tributados pelo Imposto sobre Serviços – ISS – a ser recolhido neste Município, independentemente do local onde o prestador estiver estabelecido ou domiciliado.
Nos termos da Lei Municipal nº X, de (data), o proprietário ou titular do imóvel onde for
executada a obra é considerado responsável pela retenção do ISS na fonte pagadora,
devendo efetuar o recolhimento do imposto retido até o dia Y do mês subsequente ao
pagamento do serviço.
Se os profissionais que executarem a obra forem admitidos como empregados assalariados do titular da obra, o ISS não deverá ser retido, devendo o titular fazer prova da contratação de seus empregados quando da conclusão da obra.
Se os profissionais que executarem a obra forem inscritos na Prefeitura, como profissionais autônomos, o ISS não deverá ser retido, mas o titular da obra deverá guardar cópia de inscrição dos profissionais e apresentá-la ao Fisco quando intimado a fazê-lo.
Ao comparar o porte da obra com o número de empregados ou contratados que a executaram, o Fisco poderá rejeitar a prova apresentada, por considerá-la insuficiente ou insatisfatória em relação ao volume de serviço que a obra exigiu. Neste caso, o Fisco arbitrará o valor da diferença apurada.
Caso o titular nada apresentar ao ser concluída a obra (comprovantes de retenção, folha de pessoal ou prova de inscrições de profissionais autônomos), o Fisco arbitrará o valor do imposto, fazendo uso do custo unitário básico, conforme tabela do Sinduscon relativa ao mês de conclusão, conforme estabelece o art. x da Lei Municipal nº Y. Será lavrado o Auto de Infração correspondente e o titular será notificado ao seu pagamento, incluindo os encargos e sanções previstas em lei.
Nestes termos, dou ciência ao notificado acima identificado.
Em, …./…./….
Fiscal Tributário
Por mais absurda que possa parecer uma das grandes dificuldades na administração municipal é a falta de sincronia entre as Secretarias. O que se passa no Urbanismo, a Fazenda desconhece, e vice-versa. Os Secretários precisam conversar e criar uma regra pela qual todos os processos de Alvará de Construção devam passar na Secretaria da Fazenda (ou de Finanças) para que se junte a referida Notificação, a ser entregue ao requerente quando este for receber o citado Alvará de Construção. Ou, então, já existir um modelo pré-formatado no computador e disponível ao pessoal do Urbanismo. Deve-se aplicar a regra mais simples e que não prejudique o andamento do processo. Feito isso, não poderá o titular da obra reclamar depois que foi apanhado de surpresa e nada sabia a respeito de suas obrigações fiscais, notadamente do ISS.
Bem, se o titular vai cumprir ou não sua obrigação durante a obra, o problema é dele, porque, num determinado dia, ele terá de retornar ao Urbanismo para requerer o habite-se. E este é o momento em que o Fisco vai examinar se o ISS foi devidamente recolhido. Na prática, é assim: o cidadão se dirige ao setor de Urbanismo responsável pela liberação do habite-se. O servidor vai retirar do arquivo (se ainda não for informatizado) o processo do pedido inicial de construção. E vai informar ao interessado que ele deverá comparecer ao Setor de Fiscalização Tributária, para onde o processo está sendo despachado internamente (nada de entregar o processo na mão do interessado, isto é claro).
O Setor de Fiscalização Tributária vai receber o interessado e examinar as características da construção, principalmente o tipo e a metragem construída. Vai verificar o CUB daquele mês na tabela do Sinduscon (se for este o adotado na lei municipal). Vai pedir ao interessado os comprovantes de recolhimento do ISS (se houver). E vai emitir a notificação de lançamento (ou documento similar usado na Prefeitura). Que o cidadão pague, ou parcele, ou ingresse com impugnação, direito dele.
Resolvida essa parte, o processo retorna ao Urbanismo para que o setor continue suas análises para emissão do habite-se. Este é o procedimento. Há, porém, um aspecto da minha total discordância aplicado por várias Prefeituras. O habite-se só é emitido se o ISS estiver pago ou, pelo menos, parcelado formalmente. A meu ver, isso parece uma forma de chantagem fiscal. Cobrança de tributo não pode ser imposta acima dos direitos das pessoas, pois se a construção estiver perfeita, aos olhos do Urbanismo, o habite-se tem que ser liberado, independentemente do recolhimento integral do ISS. Se a pessoa recusar-se a pagar, o caminho é Dívida Ativa e Cobrança Judicial, e não impedi-lo de habitar o imóvel, se todas as exigências de construção foram atendidas.
Fonte: http://consultormunicipal.adv.br/